Berlim - O nova-iorquino Lorenz Hart (1895-1943) teria morrido tão melancólico e depressivo como sugere o início da canção mais emblemática que compôs, Blue Moon, em 1934. Pelo menos é nisso que aposta o filme inspirado na fase final do compositor e letrista morto aos 48 anos, vítima de pneumonia contraída ao passar uma noite bêbado, na sarjeta de um bar, no inverno.

Ao capturar o estado de ânimo de Hart alguns meses antes de sua morte, Blue Moon concorre a dois Globos de Ouro, na festa marcada para 11 de janeiro, em Los Angeles. Candidato ao prêmio de melhor comédia ou musical e de melhor ator na mesma categoria (com Ethan Hawke), o longa-metragem dirigido por Richard Linklater funciona como um prenúncio do destino trágico e prematuro que esperava pelo compositor.

Basta o espectador acompanhar uma noite na vida de Hart para mergulhar na psique do letrista, que se deixou destruir pela insegurança, pela amargura, pelo alcoolismo e pela solidão. Mesmo sem conhecer a trajetória do compositor, o início da canção Blue Moon, composta em parceria com Richard Rodgers, já dá uma ideia: “Lua azul, você me viu sozinho. Sem um sonho no meu coração. Sem um amor só para mim”.

“Lorenz Hart tinha uma personalidade marcante porque ele sabia que, sem isso, ninguém o notaria. Ele se sentia ignorado, a começar por ser um cara tão baixinho”, contou Ethan Hawke, referindo-se à estatura diminuta do compositor, de 1,47 metro.

“É de partir o coração acompanhar um cara tão irreverente e engraçado, mas que esconde uma tristeza profunda, de alguém que não se sentia merecedor do amor”, complementou o ator ao NeoFeed, no hotel Grand Hyatt de Berlim.

Ainda sem data de lançamento definida no Brasil, onde terá distribuição da Sony, Blue Moon presta uma homenagem ao compositor conhecido por suas letras espirituosas e, ao mesmo tempo, profundas e melancólicas. Não só a sua depressão e os seus vícios teriam influenciado a sua obra, mas também a sua homossexualidade mantida em segredo, por conta do período em que viveu, de grande discriminação.

Talvez o sofrimento e a frustração, por uma vida amorosa feita apenas de encontros clandestinos, tenham levado Hart a escrever canções tão românticas, como My Funny Valentine (1937), ou músicas irônicas, como The Lady Is a Tramp (1937).

Todo o seu trabalho mais significativo foi realizado em parceria com Rodgers, com quem Hart trabalhou de 1919 até o ano de sua morte, 1943. Juntos, eles assinaram mais de 500 canções e quase 30 musicais, incluindo sucessos da Broadway, como On Your Toes (1936) e Babes in Arms (1937), que marcaram uma época e moldaram o musical moderno com as primeiras montagens que mesclavam humor e dança nos palcos.

A deterioração da parceria com Rodgers, em função do alcoolismo que deixava Hart cada vez mais imprestável para o trabalho, foi um golpe duro para o compositor. Isso explica o roteiro de Blue Moon se concentrar na noite de 31 de março de 1943, justamente na abertura do musical Oklahoma!, que Rodgers preferiu escrever com outro letrista, Oscar Hammerstein II, deixando Hart de lado.

Toda a ação, imaginando o que poderia ter acontecido naquela noite, é ambientada em bar do restaurante Sardi’s, palco da recepção após a estreia do musical na Broadway. Enquanto espera para cumprimentar Rodgers (Andrew Scott), que tentará manter distância de seu antigo parceiro, Hart conversa com quem encontra pela frente, seja o barman ou o pianista do estabelecimento.

Andrew Scott interpreta Richard Rodgers, o grande parceiro do compositor e letrista (Foto: Divulgação)
A atriz Margaret Qualley vive a estudante por quem Hart fica obcecado (Foto: Divulgação)
Não só a sua depressão e os seus vícios teriam influenciado a obra de Hart, mas também a sua homossexualidade mantida em segredo (Foto: commons.wikimedia.org)

Hart é uma espécie de metralhadora verbal. E a sua tendência é deixar as pessoas ao redor muito desconfortáveis, por sempre compartilhar mais do que deveria – incluindo a sua recente obsessão por uma estudante (Margaret Qualley).

A noite funciona quase como uma sessão de terapia. Em seus monólogos, Hart acaba abrindo o seu coração, expondo suas desilusões amorosas e profissionais, embora nunca abandone o sarcasmo. Mesmo querendo retomar a parceria com Rodgers, ele sequer consegue esconder o desprezo por Oklahoma!, que considera piegas demais.

“A chave para a performance foi encontrar o equilíbrio”, disse Hawke, impecável no papel de homem que precisa de ajuda, mas é cínico demais para admitir isso. “A ideia é que o filme tenha o mesmo efeito da música Bewitched, Bothered and Bewildered”, afirmou o ator, citando a popular canção do musical Pal Joey, assinado por Hart e Rodgers, em 1940.

“São oito minutos que misturam tons e climas diferentes. Essa música de jazz é triste, engraçada, sensual e envolvente ao mesmo tempo. E o filme procura ser tão contagiante quanto a canção”, comentou o ator, antigo colaborador de Linklater.

Entre outros títulos, eles rodam juntos a trilogia do Antes, um clássico do amor pós-moderno, com os filmes Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013).

E é verdade que o projeto de Blue Moon é antigo, mas Linklater esperou que Hawke ficasse “menos atraente” para interpretar o solitário Hart?

“É. Linklater me falou do roteiro pela primeira vez há 15 anos. Eu quis interpretar o personagem imediatamente, mas ele disse que eu não estava pronto. Linklater queria mais rugas no meu rosto. Disse que eu precisava sofrer um pouco mais na vida”, contou o ator de 55 anos, rindo.

Relacionados

Jafar Panahi sabe o preço, mas não abdica nem do cinema nem do Irã

O lado pouco conhecido da santa Madre Teresa de Calcutá

A história de pioneirismos da "dona de casa que escalava montanhas" e chegou ao topo do Everest