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Vamos refletir: se as IAs irão fazer tudo por nós, saber tudo, performar em tudo, o que vai sobrar é alguma loucura ainda não prevista por elas.
Os criativos tiveram sua época áurea, na qual foram considerados deuses. Os grandes e aclamados criativos se tornaram donos de agências milionárias e celebridades. Mas, de uma hora pra outra, a eficiência tomou seus lugares, com a mídia programática e seus algoritmos dizendo o que funcionava mais. Os criativos passaram a ser rotacionados: diziam que era melhor ter 1000 ideias básicas impactando os consumidores para ver a que tinha melhor desempenho do que uma ideia fora da caixa.
Só que agora a IA é a caixa. Ela encaixotou todas as nossas ideias em um prompt, ou dois. Tudo que antes podia ser fora da caixa, agora já está dentro dela. É como se estivéssemos dentro de uma caixa que foi empacotada por um empresa bem competente, com uma fita daquelas que não se abre com a mão, tem que pegar uma faquinha para abrir. Antes diziam que, de marketeiro e louco, todo mundo tinha um pouco. Agora todo mundo tem muito, ou acha que tem muito. Já cansei de receber ideias de marketing e propaganda vindas do financeiro ou de supply chain. Recebi até mesmo do jurídico, "reis e rainhas do não", para dar uma ideia são super modernos.
Com um prompt, é possível criar tudo: insight, conceito a execução criativa de uma campanha, estratégia de mídia, cálculos. Em uma pesquisa de 2025 da Marketing Week, 57,5% dos quase 1.000 profissionais pesquisados de marcas disseram que já usam IA para gerar conteúdo e ideias criativas de campanha. Se a criatividade depende de repertório e conexão, agora todo o repertório está acumulado e toda a conexão assustadoramente agilizada para você fazer pelo celular. E, como se já não bastasse tanta IA aplicada ao desempenho das mídias, agora ela também te faz sentir que tem poderes de Nizan Guanaes por R$ 39,90 por mês. Imagina ser "nizanizado" por essa pechincha?
É aí que eu venho e grito: "Na Na Ni Na Não!". Daqui para a frente, ser louco vai estar na moda. Por que o que vinha dos grandes publicitários como Nizan se devia a essa mistura de loucura com genialidade, um processo desordenado de conexões caóticas em harmonia, com percepções de nuances imperceptíveis. Imagine hoje, durante um processo coletivo, o profissional de publicidade perguntando ao candidato: "Qual é a sua solução criativa para isso? Pode usar o GPT". Se todo mundo usar o GPT, provavelmente as ideias serão as mesmas, ou parecidas. Se a criatividade é repertório, seu repertório não pode ser somente a junção de todos os repertórios da IA. Se a criatividade é conexão, não podemos depender só do que a IA conecta para nós. Quanto mais a gente usa o Waze, menos sabemos os caminhos.
Tudo vai ter gosto de baunilha. Estamos sofrendo um processo de baunilhização das ideias. Quem chegar com morango ou cupuaçu vai brilhar. A gente vai começar a sentir o cheirinho dos loucos novamente. Vai ser tipo chegar no hall do elevador do prédio e sentir o cheiro de bife fritando com alho: acredite, vai dar fome.
Um estudo de 2023 (“Generative artificial intelligence enhances creativity but reduces the diversity of novel content”, Doshi & Hauser) mostrou que o uso de IA generativa pode aumentar a qualidade percebida da produção criativa (especialmente de autores com repertório menor). Ou seja, “ajuda”. Mas, ao mesmo tempo, reduz a diversidade e a originalidade dos conteúdos produzidos, oferecendo, em vez disso, mais conformidade.
Por essas e outras, eu tenho certeza que vamos perceber quando algo sair da caixa novamente. Formar loucos vai ser desafio de RH, integrá-los ao mundo normal também. Recrutadores terão que se perguntar se a pessoa é louca suficiente para entrar na vaga. Se a pergunta não fizer sentido para a posição, provavelmente a posição não irá existir.
Os que dançavam eram taxados de loucos por aqueles que não podiam ouvir a música, lembra? E agora todo mundo vai achar que consegue ouvir a música, mas é como aquelas baladas que usam fone de ouvido, todo mundo ouvindo a mesma coisa, alienados, sem graça. Teremos poucas oportunidades de conhecer a pessoa da sua vida que tropeçou em você bêbada perto do bar. Entramos na Matrix e nem temos o plug na nuca.
Teremos que tirar o fone, sair da terra dançando tipo clipe do Michael Jackson. Teremos que cortar a fita da caixa da mudança com a faquinha, enfrentar as bolinhas baunilha que teremos pela frente. Será preciso provocar a ressurreição dos loucos, fazê-los nascer novamente. "Lázaro, vem para fora." Os “Lázaros do mercado” serão novamente valorizados, vistos como milagres do marketing, da publicidade e dos negócios.
A ressurreição dos loucos não é um chamado ao caos irresponsável, mas sim um apelo à originalidade e à coragem de desviar do caminho pavimentado de baunilha. No cenário onde a eficiência algorítmica domina, a verdadeira diferenciação virá da intuição humana, da estranheza cativante e do não-linear.
O futuro não será moldado apenas pelo que as IAs podem otimizar, mas sim pelo que elas não conseguem prever: uma singularidade radical, um insight nascido de uma mente que não se submete à lógica dos dados.
Quanto tudo tem lógica, nada tem graça.
Cabe a nós abraçar essa "loucura" como nosso último e mais poderoso diferencial competitivo. É hora de quebrar o fone de ouvido, ignorar a batida de baunilha e dançar a nossa própria música, aquela que só o repertório caótico e pessoal pode criar.
Que venham os loucos, pois eles são a nova fronteira da criatividade. Eles são o sabor que vai nos tirar da caixa, a faquinha que corta a fita da conformidade. O mercado que os ressuscitou é o mesmo que será salvo por eles.
Vem pra fora.
*Eduardo Paraske é co-fundador e sócio da consultoria de inovação 16 01


